Andrés Rodríguez Ibarra é sociólogo e doutor em filosofia pela USP, onde defendeu, em 2008, uma tese sobre o conceito de liberdade em Michel Foucault. Em 2010, ele publicou esse trabalho, intitulado Uma relação sempre atual: a liberdade recalcitrante de Michel Foucault, pela Editora CRV. Em 2009, abriu este blog, cujo nome é de inspiração foucaultiana – existe, inclusive, uma publicação francesa, a Revue Vacarme, que já havia feito, antes de Andrés, a apropriação desse termo para se autonomear.
O balbúrdia surgiu para dar vazão a tudo o que entusiasmasse seu autor. Com o tempo, ficou claro que uma grande fatia desse conjunto cabia aos filmes que ele sempre assiste e, assim, alguns podem achar que este blog é um blog de crítica de cinema. Mas, acontece que seu autor também é fotógrafo e eis que, a partir de um questionamento de uma amiga sua, Susana Dobal, Andrés incorporou aqui seu trabalho com imagens, acabando, dessa forma, com o monopólio das palavras que antes vigia. Um efeito colateral dessa mexida foi um aumento absurdo na capacidade de dizer coisas.
A tarefa de falar a respeito de si nunca é fácil, tem sempre o risco de nos aprisionar aqui ou ali, quando o que interessa é que sigamos dotados de movimento; o novo sempre nos requer despertos, dispostos. Mas, se fosse para, em poucas palavras, dizer algo de importante que o Andrés já tenha realizado, talvez isso seria a sua tentativa, até agora frustrada, de mostrar a ligação que existe entre o que Foucault chamou de “estética da existência”, a psicanálise que Lacan passou a praticar a partir do início da década de 1970 (e que recebe o nome de “segunda clínica lacaniana”) e a ética dos povos ameríndios, calcada no seu modo perspectivista de conhecer o mundo.
Isso parece bastante complicado – e daí, em grande parte, o insucesso de Andrés, até o presente. Por um lado, não se aceita muito bem, até hoje, o mergulho que Foucault fez, numa etapa já bem avançada de sua trajetória – e de forma totalmente surpreendente – na Grécia Antiga. Muitos entendem que teria sido com o intuito de resgatar uma ética também antiga. Esse é o caso de Jorge Forbes, o grande defensor da segunda clínica lacaniana, não só no Brasil, mas no mundo. Esse psicanalista paulistano sempre nos lembra que Lacan defendia ser a psicanálise uma ética, mas só que do desejo. Sendo assim, haveria incompatibilidade de propostas.
Ora, ora, só que acontece que Foucault nunca se propôs a ser um neoclássico quando advogou a sua estética da existência (tirada, por sua vez, do mergulho acima referido). O neoclacissismo foi um movimento estético que acompanhou a Revolução Francesa, conforme nos ensinam os livros de história da arte, propugnando uma volta aos padrões clássicos, inclusive no que tange à ética. Algo válido, talvez, para aquele momento, mas totalmente distante do que esse pensador francês, morto em 1984, reivindicou.
A Grécia para Foucault, foi, na verdade, uma ocasião para a descoberta das formas (históricas) que o pensamento foi capaz de tomar a fim de neutralizar aquilo que se apresentou, no Século V a.c., com Platão, de absolutamente novo: o sujeito enquanto condutor de seu destino. Essa invenção neutralizante e reativa, que finalmente se cristalizou com o advento do cristianismo, foi uma noção de sujeito concebido enquanto um ser cognoscente, dedicado única e exclusivamente a conhecer o “mundo” – ou, melhor, os desígnios, divinos, heterônomos, para esse – a fim de obter, por meio dessa atividade, a sua “salvação”. Uma tragédia, em suma.
Nos últimos oito anos de sua vida, o que Foucault fez de mais importante foi desencavar uma noção grega, fundamentalmente platônica, o “cuidado de si”, concluindo que ela, já há muito desaparecida do pensamento – ainda que tenha sido debatida durante aproximadamente mil anos (ela, na verdade, antecedeu, um pouco, Platão, mas encontrou nele seu ápice) – , se configurou enquanto uma ética. Feita, como ele certa vez afirmou, de liberdade, essa ética consistiu, em linhas gerais, em não permitir que ninguém se apresente a cada um de nós com a intenção de nos conduzir, a não ser que com um muito bom motivo, sujeito a todo tipo de verificação de nossa constante parte.
Pois bem – e já terminando –, quem quer que tenha lido o que a etnologia ameríndia tem produzido, desde o final dos anos 1970, em torno do perspectivismo vigente nessas sociedades, sabe sobre o encontro arquetípico que ocorre sempre que um indivíduo de uma dessas, sozinho, se encontra com aquilo que percebe como a manifestação de um espírito em meio à floresta: ele logo cuida de deixar claro que a perspectiva que irá vigorar, na sequência do encontro, será a dele, humano. O risco eminente e maior é o mesmo que o da ética do cuidado de si. A pergunta que resta é se isso não seria o mesmo que Lacan pleiteou ao afirmar, querendo dar consequência à injunção freudiana de Wo Es war, soll Ich werden (onde isso estava deve o eu advir), a derradeira inexistência do Outro.
Marco…eu não sei, mas, definitivamente, você! Por fim talvez eu não tenha compreendido.
Mas entendo que há um baita processo de indivuduação em ação…
Bjs. V.
Marco no sentido de conseguir colocar com alguma clareza um processo que me atordoou. Escrever ajuda, às vezes, a fechar coisas. Obrigado pelo comentário. Beijo.