RUMO AO PRIMEIRO TURNO
Ontem teve a segunda entrevista dos presidenciáveis com a jornalista Renata Lo Prete no portal G1, desta vez com a Simone Tebet. A primeira, na semana passada, foi com o Ciro Gomes. Assim, podemos dar por encerrado esse ciclo, já que semana que vem será o amplamente descartável Janones; e os outros dois, líderes nas pesquisas, simplesmente não vão, perdendo, desse modo, ótima oportunidade de expor suas ideias ao longo de hora e meia (o populismo não deixa). Já há, então, elementos suficientes para uma avaliação sobre o voto que darei no primeiro turno que se aproxima.
Ambos têm pontos em comum. O primeiro é o fato de serem formados em direito. Ciro evoca para si uma condição de professor dessa disciplina, ao passo que Tebet se identifica como uma operadora dele, direito (ou seja, uma advogada). Acho que isso já começa a dizer algo, que está no terreno da humildade: ele, tirando uma de scholar, de suposto dono da verdade; ela, revelando a postura de uma raladora dotada de razoável experiência.
O segundo ponto em comum também apresenta, a certa altura, um distanciamento significativo: o apego, mais do que bem-vindo, ao planejamento. No caso de Ciro, o plano já está pronto e publicado em livro. Tudo está lá, diagnosticado, previsto e equacionado, uma legítima panaceia (ou, conforme o dicionário, “remédio para todos os males”). Tenho a impressão que Ciro, acima de tudo, é um bom vendedor e, enquanto tal, é claro que tinha que mostrar alguma mercadoria.
Já Tebet é mais prudente. Sim, um plano está sob elaboração e logo virá a público, mas relativo ao tema urgente e primordial da fome. Um Novo Bolsa-Família, mais inclusivo do que o atual Auxílio Brasil e com horizontes mais amplos do que o seu predecessor. Mas, de resto, sobre esse tema, trata-se de retomar o controle sobre o orçamento da União através da recriação de um Ministério do Planejamento, um trabalho de reconquista palmo a palmo, uma construção tijolo a tijolo, como tudo o que nesta vida é realista e busca uma solidez.
Uma terceira e benfazeja confluência é a visão de que os militares só podem assumir cargos na administração pública uma vez tendo abandonado a ativa do serviço que prestam (ou seja, tendo passado para a reserva). Tebet, no entanto, vê a aplicação disso restrita aos cargos de alto escalão, não vislumbrando impedimento no aproveitamento de quadros das três forças com qualificação suficiente para cargos menores, de gestão. E é em detalhes como esse que se evidencia o que talvez seja a diferença maior entre ambos esses candidatos. Tebet está sempre em busca da conciliação, enxergando que atitudes extremas geram descontentamentos entre as partes, ao passo que Ciro prefere, via de regra, a imposição, a intervenção a partir de cima.
É muito claro: ele é desenvolvimentista e, por isso, fundamentalmente, não consegue firmar alianças com os partidos de centro. A pergunta crucial a esse respeito não escapou à entrevistadora: afinal ele gosta ou não do Lula? É evidente que gosta, já declarou isso na eleição passada, quando toda a corrupção em torno a essa figura já estava patente – e, portanto, não seria motivo para uma descoberta e consequente repúdio posterior, como parece ser o caso com Ciro. Conforme ouvi da boca de uma boa analista, Ciro só terá chance em uma eleição no dia em que Lula não concorrer. São farinha do mesmo saco (desenvolvimentista).
E o problema com o desenvolvimentismo é que você só conta com a força do Estado, você dá as costas para setores que estão lá e que podem sim ser convocados, ou conquistados, a (re)erguer o país. O desenvolvimentismo é uma solução que já deu mostras de ser de curta duração, insuficiente diante do que é necessário. O que é necessário requer contar com todas as forças existentes no país, quer sejam essas as forças produtivas (ou iniciativa privada), quer sejam as próprias Forças Armadas ou a sempre a postos força de trabalho. Trata-se de esforço coletivo.
Tebet tem provado ter os atributos para liderar este país, demonstrando possuir talento político e perseverança. Foi capaz de se manter em meio a toda a turbulência da “terceira via”, em meio a tantos “leões” que já se retiraram. Além disso, tem a consciência de que “ou o século XXI será o do desenvolvimento sustentável, ou então será o último da nossa história”. A emergência climática que vivemos não lhe escapa. Mas o principal é que tem uma convicção muito arraigada na importância da democracia, enxergando-a, inclusive, como vital no próprio combate à fome (urgente) e às desigualdades.
Ciro Gomes não é bem um último leão da terceira via, porque ele nunca foi de fato dela (e sim um satélite da segunda), mas tem a mania de rugir. Devia parar com isso, de uma vez por todas, e dar lugar ao que de verdadeiramente novo surgiu de 2018 para cá: a extraordinária força do feminino – e de uma mulher em particular.