TRÊS EM UM
Ao Ricardão Schmitt
Assisti ao filme Origem (Inception) de Christopher Nolan, por sugestão de um amigo meu, que é publicitário, mora em Curitiba e também flerta com o cinema. Anteriormente, um outro amigo, recém chegado do exterior, havia comentado sobre o seu sucesso lá fora, a sua novidade inconteste, o que já havia atiçado a minha curiosidade. Na hora de comprar o ingresso, no cartaz do filme, li que Nolan é o mesmo diretor do último Batman (na verdade dos dois últimos, pelo que leio no Imdb), O cavaleiro das trevas, que me impressionou pela rapidez da sua linguagem e pela carga psicológica dos personagens, que parece ter devolvido à história do homem-morcego a sua complexidade original, de quando ainda era uma HQ. Em outras palavras, entrei no cinema com uma expectativa boa.
Sem dúvida, trata-se de um filme instigante. Tem um roteiro excelente, que mistura um elemento que costuma dar bons sambas nas salas de cinema a uma idéia genial e a um tema psicológico bastante atual. Três em um! Complexidade que remete ao clímax do filme, quando, devido ao desenrolar da trama, temos algo como três filmes acontecendo simultaneamente e em co-dependência diante de nós, numa demonstração impressionante de como arquitetar uma narrativa. Filme de arquiteto.
Mas voltemos aos três componentes, não da trama, mas do próprio filme. O primeiro, para mim, é um que, por si só já me faz gostar de um filme: o tema da montagem de uma equipe de especialistas, em que cada um tem uma função bem definida e em que um depende de todos e vice-versa, para o objetivo comum ser atingido. De Doze homens e um destino, a Missão impossível, passando por Matrix e tantos, centenas de outros, eis aí um ingrediente que, por si só, me apraz e, geralmente, me sacia quando o assunto é filme. Talvez esteja aí um dos meus “fracos”.
O segundo elemento é a idéia (principal) do filme de que existe uma arte que é a de plantar idéias nas cabeças das pessoas e de que ela funciona no momento em que elas dormem, ou seja, no subconsciente. Ora: idéias, quem de nós, intelectuais, no sentido mais prosaico do termo, não trabalha com elas? E quem é que, mexendo com idéias, não sabe do poder que elas têm, tal como ensina, ainda bem no comecinho do filme, o seu protagonista? Ao tematizar essa “arte”, fictícia, Origem, nos coloca, de fato, em meio a um mundo que nos é muito familiar e do qual o próprio cinema não está nada distante: o mundo dos assim-chamados mídia, um universo que não é feito senão de idéias, idéias que querem aparecer, ser ouvidas, penetrar nas cabeças.
Ultimamente, devido a uma das várias atividades nas quais estou envolvido, tenho tido um contato maior com a questão da publicidade. Faço parte de uma equipe que vem tentando emplacar uma idéia que visa transformar uma determinada realidade social. Tendo os recursos, temos investido pesadamente em propagandear a nossa proposta; e temos visto e sentido, na pele, o quanto é difícil. É o que justifica a existência de profissionais voltados para isso, profissionais que ganham, às vezes, somas extraordinárias, porque “sabem” como convencer as pessoas – ou, pelo menos, dispõem dos recursos, ou dominam os recursos para tal. Pois bem, a trama de Origem gira justamente em torno disso, da venda de uma idéia; e eu diria, então, que se trata de um filme sobre o universo dos mídia. Filme de publicitário.
Por último, a questão psicológica: o que acontece quando você consegue vender uma idéia? Quando você tem sucesso, ou melhor, quando se faz sucesso? Fazer sucesso, isto é: entrar na mídia; e o que é que disso decorre? No filme, o protagonista é alguém que, mestre nessa arte de plantar idéias nas cabeças alheias, obteve sucesso; mas foi justamente por ter tido esse sucesso, por ter conseguido “chegar lá”, que os seus problemas começaram, vamos descobrindo ao longo da narrativa, quando o passado se descortina. Uma idéia é algo virulento, poderoso, que, quando se fixa – e dependendo da forma como se fixa –, pode levar à loucura, pode nos fazer perder a noção do que é o real; e Origem tematiza isso também: quando se entra nesse mundo, dos mídia ou dos sonhos alheios, é necessário levar consigo, sempre, um amuleto, algo que nos lembre do nosso chão; caso contrario, podemos nunca mais voltar. O sucesso, isso causa, ou pode causar, imenso sofrimento. Mas isso eu deixo para um verdadeiro especialista: o psicanalista Jorge Forbes, que ataca a questão em http://www.jorgeforbes.com.br/br/artigos/o_futebol_dos_mascarados_estadao_jorge_forbes.html. Filme de analista. (E digo, para encerrar, que se há um responsável por muito do que se trata aqui nesta balbúrdia, esse é precisamente esse distinto cidadão.)
cara! Andrés! massa que você gostou do filme! (acho que gostou…) eu achei demais. mas, sobre o teu texto, acompanhei em suspense o tempo todo, na eminência que você fosse detonar a qualquer momento uma crítica arrasadora… no fim, achei muito louco o jeito que você pulou do amuleto pro Jorge Forbes! parece que você começo a ouvir non, rien de rien… e caiu numa banheira cheia d’água! pode ser de publicitário, de analista… de analisando… fui lá e li o texto dele também, que não é mal! manda brasa no blogue! abrazón!
Sim, ficou engraçado! O filme é duca, e a gente tenta extrair o que pode. Esqueci de falar do equilibrismo dos sonhos, mas isso é um pouco a coisa dos arquitetos, que perseguem as formas e o seu ponto de equilíbrio. Obrigado pela excelente indicação!