MIB – Homens de Preto 3

UMA FINA OURIVERSARIA PARA HOMENS DE (CABELO) BRANCO (OU QUASE)

Lembrei-me hoje de um conselho que minha analista me deu, há alguns anos atrás (quando ainda era seu paciente e estava escrevendo minha tese de doutorado) e fui assistir MIB – Homens de preto 3: de vez em quando é preciso dar uma “zerada no QI”. Foi engraçado porque na mesma sessão vespertina e fugitiva estava um colega meu do trabalho, meio sem jeito de estar vendo um filme tão pouco, digamos, próximo da norma culta. Mas, conversando a respeito, descobrimos que estávamos lá pelo mesmo motivo, a barra estando um pouco mais pesada do que o costume, os QI’s tendo que render acima do normal, como os motores de um Titanic que quer ser puxado por um vórtice poderoso rumo ao fundo do mar. O que posso dizer a respeito dessa experiência? Que não há nada mais adequado para um momento como esse: MIB 3, assim como os outros dois anteriores, é diversão inteligente garantida, whisky da melhor procedência e envelhecido com todo o rigor, todo o critério. Um produto primoroso, que nos acolhe como se fosse um lar.

Gostaria, aqui e agora, de tentar desvendar um pouco do mistério dessa bem sucedida série dirigida por Barry Sonnenfeld – e com roteiro de Etan Cohen, que não corresponde a metade do irmãos Coen. Antes, contudo, creio que seria bom, para os que nunca viram nenhum dos três MIB’s, contar que eles giram em torno de uma dupla de agentes (vividos por Will Smith e Tommy Lee Jones) de uma agência norte-americana ultra secreta que tem a incumbência de monitorar o trânsito cósmico, ou seja, os movimentos de entrada e saída de seres alienígenas no planeta Terra. Alienígenas de diversas origens e que já estão na Terra há anos, disfarçando-se como podem (e quando podem, porque há aqueles que, de tão esdrúxulos, só cabem mesmo nas dependências secretas da agência, um grande lounge onde vivem a se distrair), mas cuja existência cabe a essa agência eliminar de todos os possíveis registros, seja coletivos, seja individuais, o que é feito por meio de um pequeno aparelho (um neuralisador) que os seus agentes carregam consigo e que, quando acionado (tal qual uma câmera que bate uma foto), apaga a memória imediata dos presentes. Vez por outra, pinta no pedaço um alienígena mal-intencionado, que ocasiona uma ação mais enérgica por parte desses agentes, que se fazem equipar com a mais refinada (e engraçada, porque muitas vezes ridícula) tecnologia – e que fornece a trama para o episódio.

Desta vez, temos a Boris, o Animal, um velho inimigo de K.  (personagem  do já veterano Tommy Lee Jones), que, além de desfigurado pela perda de um braço, ficou preso durante 40 anos numa prisão na Lua, conseqüência da sua captura por parte daquele. O filme começa com a fuga de Boris, um tarado destruidor de planetas que esteve prestes de conseguir destruir a Terra em 1969, quando conheceu a K., então um ainda jovem agente. Um engenhoso recurso a uma dessas manjadas máquinas do tempo, nos faz ter de volta a dupla, já envelhecida na vida real, ao vigor do início: o ainda jovem Smith viaja a 1969 e encontra o jovem K., vivido por um ator (Josh Brolin) bem mais novo que Jones. Estamos assim, quase milagrosamente, de volta na estrada, de maneira convincente, eu diria.

Bom, mas em que é que os MIB’s baseiam a sua hospitalidade, ou seja, como atraem a marmanjos como eu e meu colega, também já não muito jovem e desavisado? Creio que o principal ingrediente passa pela forma como recolocam a questão do Estado. Sim, o Estado está implicado nesses filmes, na justa medida em que os Homens de Preto são agentes do Estado, em que eles executam uma política pública, de segurança, no caso – só que cósmica. Estariam eles muito distantes, na sua luta por impor uma ordem mínima no caos cósmico, na babel intergaláctica, na irrefreável diversidade alienígena, dos esforços atuais de governos que se deparam com as conseqüências em cascata da globalização, com as hordas migratórias, seja de gente, a mais diversa, seja de capitais, os mais voláteis? Creio que não. Uma nova inteligência estatal necessita surgir, esse parece ser um pressuposto subjacente a quem estiver pensando o Estado ou estiver dentro dele, nos dias de hoje. Uma inteligência menos sisuda e mais distante do Mesmo, pois a multiplicidade e o Diferente, tal qual os alienígenas de MIB, estão aí pra ficar. E isso está dito com todas as letras por J. (Will Smith) a K., quando esse reclama da rigidez facial e gestual do velho parceiro texano.

MIB 3, com toda a sua aura de “bobeira”, é conduzido por um pensamento que não tem nada de “alienado”, que tem tudo de “real”, de imediato. Opera num nível metafórico muito sutil, posiciona espelhos em ângulos muito bem calculados e precisos. Caso contrário, não teria uma cena como a da torta no balcão da lanchonete: quando tudo está embaralhado na nossa cabeça e não se vislumbra luz alguma no final de nenhum túnel, essa é a hora exata de ir comer um bom pedaço de torta, eis a velha receita do Texas, transmitida por K. a J. Minha analista, por certo, teria concordado.

About Cadeajuju

Filósofo, autor de uma tese sobre a liberdade em Foucault, defendida em 2008 na USP.
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