UM DIA ATAREFADO PRAS ENTIDADES DO CANDOMBLÉ
Eu quis fazer um reconhecimento, pela parte da manhã, do terreno onde pretendíamos passar a virada de ano. Desconfiava das proporções, temia o aperto, queria calcular imbricações e ver, no fundo, se seria um boa, tanto pra imagens quanto pra momento.
Havia uma bruma estranha, uma sorte de mormaço. O sono não era elemento ausente e as vestes brancas estabeleciam uma maioria, tornando o ar algo próximo do onírico. Mas mais que tudo, estava ali o início de uma jornada purificatória. Acabei decidindo não ir ao Reveillon da Prainha – e acho que foi o melhor, porque fiquei sabendo que muita gente acabou virando o ano engarrafado – , mas me dei a chance de acompanhar a alguns prevenidos seres brasilienses nas suas cerimônias de acolhimento do ano que estava chegando, bem ali, um pouco além do horizonte.
As oferendas a Iemanjá, deixadas por indivíduos ou por grupos, já começavam a formar uma crosta na orla: era o que passava pelo crivo dos catadores de flores que, não muito depois do arremesso, passavam com seus sacos coletores, muito provavelmente para, em seguida, revender o que recolhiam. Ninguém se deu o trabalho de questionar essa atividade, sendo consenso implícito o fato de que o afago à deusa já estava feito no mesmo instante em que a flor, a cidra ou o que quer que fosse tocasse a água. (Ou, quem, sabe, ninguém estava disposto a ter uma última briga do ano).
Digamos que o momento era de silêncio; e que a eloquência, na forma de agência, parecia estar toda a cargo desses orixás, arquitetos, para muitos, daquilo que nos espera.
Saravá!