NADA DE EXPLOSÕES
A convocação veio pelo Facebook: uma flash-mob na Rodoviária para demonstrar o repúdio à violência contra as mulheres, acompanhando um “levante de 1 bilhão” que iria acontecer, naquele dia, no restante do planeta. A chamada citava o Movimento das Vadias local, como promotora; diante disso, eu, que nunca havia ido a qualquer das manifestações desse grupo, disse a mim mesmo que estava na hora de, finalmente, ir para confirmar a carga explosiva que estava no meu imaginário.
Cheguei com alguns minutos de atraso, preocupado de que o movimento já tivesse se deslocado. Algumas viaturas de polícia em volta do piso superior indicavam que havia alguma prontidão das forças de segurança. Subi e desci as escadas de ambas as plataformas e nada de encontrar o grupo. Até pensei em abordar algumas transeuntes com cara de guerreiras para lhes perguntar sobre o local exato da concentração, mas não o fiz. A sensação era a de ser um semi-intruso, alguém que não deveria estar lá, um ser fora do lugar.
Mas aí resolvi, mais do que dar atenção aos meus olhos – que já estavam em estado de alerta total, coisa que costuma acontecer quando a câmera está por perto –, dar atenção aos meus ouvidos. Um som vinha lá do fundo de uma das plataformas desse prédio recorrente e imortal que é a Rodoviária, de uma de suas extremidades.
E lá estava o grupo, ainda esquentando seus motores. Uma DJ em ação e estacionada em cima de um pequeno e baixo palco indicava que não haveria deslocamentos, que a estratégia seria baseada inteiramente lá, nessa ponta de plataforma, quase a cair por sobre a pista do Eixo Monumental que desce na direção do Congresso.
Mas, em termos de estratégia, havia mais – e eis que fomos, eu e meu imaginário, pegos, por ela, inteiramente de surpresa. Nada de esperneios, nada de peitos de fora, de chamadas de ordem ou até mesmo de olhares em oposição. Aos poucos, fui sentindo que meus temores, minha acentuada sensação inicial de fora do lugar, eram simples fantasias de minha parte. A galera estava lá pra dizer algo por meio de uma língua própria, feminina, suave, alegre, que incluía a dança – e não na língua “patriarcal”, tal qual dito por uma delas, a língua da violência. A cor escolhida era o lilás e não o preto.